domingo, 8 de agosto de 2021

DIA DOS PAIS





 Neste dia, em forma de agradecimento e homenagem, gostaria de lembrar quem foi nosso pai (para os mais novos, avô ou bisavô). Nascido em Jabaquara, município de Anchieta, ES, papai foi um homem correto, pontual, trabalhador dedicado, honesto, muito inteligente,  de uma caligrafia bonita e cheia de personalidade.O quinto de uma família de onze filhos, desde cedo ajudou o pai dele, Vovô Zeca, na Padaria São José, de propriedade da família em Anchieta. Papai ajudava fazer e entregar os pães. Contava que ia a pé de Anchieta a Ubu levando cesto de pão na cabeça para fazer entrega.

Era excelente marceneiro e conhecia muito as madeiras. Havia produzido bancos e confessionários da igreja matriz de Anchieta e também a antiga ponte Cônego Barros, em madeira pesada. Teve uma serraria no Porto de Cima, em Anchieta, na beira do rio, em sociedade com um primo dele, numa construção que existe até hoje. Como a serraria tivesse muitas máquinas papai logo se especializou com diploma em Motores Diesel num programa de Educação à Distância da National Schools de Los Angeles, EUA. Detalhe: fez o curso em espanhol.

Finda a sociedade com o primo, partiu com a família (esposa e quatro filhos) para Vitória. Foram dias difíceis. Logo foi contratado na oficina de reparos navais do Porto de Vitória e em seguida foi embarcado na casa de máquinas do rebocador Lacerda. Por suas características de homem sério e competente foi eleito Tesoureiro do Sindicato dos Marítimos por dois mandatos, inclusive numa época que o país atravessava a ditadura e líderes sindicais eram presos. Mas ele nunca foi molestado porque nada desabonava sua integridade.

Papai, Roberto e eu sempre trabalhamos juntos em casa. Muitos sábados, domingos e feriados, sob sol quente ou noite adentro, enquanto muitos adolescentes saiam para namorar ou ir ao cinema, lá estávamos nós – cavando buracos para os alicerces e sapatas da nova casa no IBES, cortando e montando ferragens para as colunas e vigas, pintando, fazendo instalações, etc, sob as ordens de papai. Eu via nele um feitor rigoroso que queria suas ordens executadas à risca e nós éramos apenas adolescentes. Demos um duro danado – eram sangue, suor e lágrimas... Mas aprendemos muito por suas exigências e seus flertes com a perfeição.

Papai tinha muito rigor com seus objetivos, com o que se propunha a fazer, de modo que muitas vezes o achávamos intransigente e intolerante. Deslizes ou faltas de atenção, especialmente no trabalho, o deixavam irritado. O rigor e a precisão eram sua característica marcante. Algumas vezes pedia aos pedreiros para refazerem o trabalho. Certa vez ordenou que dois pedreiros refizessem uma escada de concreto porque montaram a altura dos degraus diferente do desenho que ele projetou. Diga-se de passagem: conhecia bem  Eletricidade, era fera em Geometria e Desenho.

Papai não era de beijinhos e abraços. Tinha um bom gosto acentuado, sem grande vaidade. O rigor de que se cercava talvez se justificasse pela compreensão da intensidade da luta que deveria empreender a cada dia para alimentar, vestir e educar uma família tão numerosa – onze filhos vivos. Não nutria muitas ilusões com a raça humana, que achava propensa a ser degenerada. E por incrível que possa parecer, filho de um homem ligado à Igreja católica, com dois irmãos que estudaram para serem padres, irmãs que se educaram em colégios de freiras, papai era indiferente a religiões e à hipocrisia de seus praticantes. No entanto jamais conheci alguém tão centrado em princípios de retidão e caráter. Volta e meia colocava para tocar um LP com a narração do “Sermão da Montanha” na eletrola para ele e as crianças ouvirem e relaxarem.

Depois de aposentado viajou para o sul do Brasil, Argentina e Paraguai com mamãe (vovó Cândida) e Tia Regina. Pelo que percebemos na época ele gostou muito da viagem. Se estivesse vivo estaria hoje com 97 anos, completados em 10 de abril. Algum tempo depois três AVCs puseram fim à sua existência entre nós. Para os novinhos, netos e bisnetos, que pouco ou nada conheceram do vovô Quintino, saibam o quanto devemos nos orgulhar desse homem do qual você é descendente.

Apesar dos cascudos, obrigado papai.